Porto ao Vivo
A música ao vivo na cidade Invicta - Projecto Jornalístico UM
quarta-feira, 27 de maio de 2009

A Pronúncia do Norte

No centro do Porto, são mais de dez os bares e espaços culturais que oferecem música ao vivo regular aos seus clientes. A multiplicação de distracções e consequente fragmentação de públicos reservaram novos papéis para esta arte performativa.

No Porto dos 80’s e princípios dos 90’s, a música tocada ao vivo era o ”centro de actividade das pessoas”. A partir de meados de 90, perdeu força. Em 2009, a música ao vivo faz-se ouvir, ver e sentir integrada em conjuntos mais vastos de actividades, numa oferta que varia de bar para bar.

Sobre a viabilidade económica, enquanto projectos individuais, como sobre a possibilidade de no seu conjunto se constituírem as condições para que uma nova vaga de músicas e bandas do Porto se imponham, as opiniões divergem. Os proprietários dos bares acreditam nos seus projectos. Os músicos relevam a importância da existência de espaços onde possam mostrar o trabalho produzido. A ciência vê repetidas neste fenómeno algumas das características que levaram ao sucesso de anteriores movimentos musicais na cidade do Porto. Para o musicólogo Álvaro Costa, só o futuro será capaz de definir a relevância do que hoje acontece na música do Porto.

Enquanto esse futuro não chega…

Espalham-se pela Baixa do Porto e arredores. São pequenos bares e espaços culturais que contribuíram para o recente reavivamento nocturno daquela zona da cidade. Fruto de investimentos totalmente privados, separa-os a “identidade”, a decoração e o que ‘oferecem’ aos respectivos clientes. Junta-os a disponibilização de condições que levam a que haja, no Porto de hoje, música ao vivo, tocada e ouvida.


Música ao vivo: a face visível

Projectado desde 2002, apenas em 2009 abriu as portas. David Fialho, um dos proprietários, define o Breyner 85: “uma Academia de Artes muito vocacionada para a música”.

Na origem do Breyner 85 esteve a necessidade de resolver questões relacionadas com o ensaio. David Fialho, também músico, conhecia as dificuldades com que uma banda se deparava para encontrar “espaços de ensaio com qualidade e a preços acessíveis, na cidade do Porto”. Uma vez preenchida essa lacuna, fazia sentido “uma escola, um estúdio de gravação, uma editora e um bar concerto, tudo debaixo do mesmo espaço”.

O Bar Concerto é a parte mais visível do Breyner 85. Pelo palco desta sala desfilam músicos “consagrados” (Peixe, ex Ornatos Violeta) e primeiros concertos de bandas amadoras. Para estas está reservada a Quarta-feira, noite “Novos Talentos”. Seja qual for a banda que actua, a noite em que actua, ou o seu estilo (Rock, Blues, Jazz, Funk ou Fado), o pagamento é igual para todos os músicos. Iguais são também as condições que o palco do Breyner 85 oferece aos artistas que o pisam, e que tem como objectivo ”tratar os músicos como eles merecem ser tratados”.”Com carinho e com a melhor das atenções, técnica e humanamente”, sublinha David Fialho.

A música ao vivo “não é a principal valência do espaço”, sendo que “o objectivo maior é o de ser uma escola”. Também “não é lucrativa” e, sendo o investimento feito no espaço “100% particular”, é integrada no “conjunto” da oferta que David Fialho espera retirar benefícios. “Ainda cedo para dizer se o espaço pode vir a ser lucrativo”, o proprietário admite: “Também há Fé, até porque não há uma ciência exacta por detrás das tabelas Excel, que fizemos com o máximo de cautela”.

Alexandre Almeida é portuense e músico profissional. Considera que espaços “que estão a promover a cultura deviam ser premiados” com apoios por parte do Estado, como o são “fundações ou associações”. Para o guitarrista e produtor, o surgimento de espaços como o Breyner 85, onde “os músicos, e principalmente os músicos em princípio de carreira, tenham oportunidade de tocar”, pode levar a que os resultados possam ser “muito elevados”, ajudando, assim, a contrariar a tendência do panorama musical português, onde “ninguém se tem estabelecido”.


Música ao vivo: uma, entre outras artes performativas

Com a Torre dos Clérigos bem visível da porta de entrada, o Plano B foi o segundo bar a ‘abrir portas’ na, agora, mais procurada zona para divertimento nocturno do Porto.

No Plano B, as artes são presença habitual. “Exposições, peças de teatro, Cabaret, festivais de cinema, performances, dança e dj’s” fazem parte da agenda do espaço portuense. Presente desde o início está a música ao vivo e os concertos. “Estivemos um ano à procura de espaços e era ponto assente que tinha de ser um que desse para ter concertos”, confessa Filipe Teixeira, proprietário do Plano B .

O Plano B faz parte do circuito “obrigatório” de bandas. Alexandre Almeida reafirma a importância do espaço portuense, também para músicos mais conceituados: “Para o primeiro concerto que demos (os Cazino), e podíamos ter tocado onde quiséssemos, escolhemos o Plano B”.

No Plano B, a música ao vivo “não é uma actividade lucrativa”. A aposta nesta arte performativa deve-se ao facto de os sócios estarem ligados à música e às artes em geral. É, então, pelo todo que o espaço portuense consegue ser financeiramente viável. ”É preciso dar, mas também receber”, esclarece Filipe Teixeira.

Numa noite normal, é possível ver-se uma exposição, assistir a um concerto, dançar vários estilos musicais… Depois, há eventos, organizados em parceria com promotoras locais, como a Lovers and Lollypops, em que a interacção entre as várias artes performativas ganha uma outra dimensão. Foi o caso do ‘20 Bandas, 20 Dj’s, 20 Cartazes’, evento em que “o design, a exposição na Galeria, os dj’s e as bandas” se juntaram, num “projecto único”.

Álvaro Costa, radialista, comunicador e musicólogo, considera que eventos como este são “óptimos para a cidade”. Sobre a animação nocturna na zona dos Clérigos, diz ter-se “criado uma cena muito interessante do ponto de vista de estímulo, do Porto liberal que vai à luta, especialmente em tempos de crise”. No entanto, e apesar de serem muitos os bares que oferecem música ao vivo no Porto, Álvaro Costa não vê que tal implique que daí saiam músicos e músicas que venham a tornar-se parte da banda sonora portuguesa: ”Não há causa-efeito”. Mas, ”Vamos ver o que daí sai”, ressalva.



Música ao vivo: promoção dos espaços

A menos de cem metros do Plano B, situam-se o Café Galerias de Paris, a Tendinha dos Clérigos… Um pouco mais à frente, encontram-se o Armazém do Chá e o Café Lusitano… Toda esta área, antiga zona de armazéns comerciais, é, agora, a mais movimentada da ‘noite’ portuense.

Ricardo Vale, geógrafo, considera que estão ali “reunidas algumas condições para que possa surgir algo de sólido e para que esse espaço da cidade desempenhe um papel fulcral”, no que à produção musical diz respeito.

Também concorrendo nesse novo “centro” está a Casa do Livro, onde a música ao vivo é usada como “promoção”. “Não usamos ‘flyers’, usamos isto [música ao vivo]", explica ‘Zeca’, proprietário da Casa do Livro.


A música ao vivo surgiu na agenda do espaço portuense porque os dois sócios-propreitários, não podendo deslocar-se a outros espaços para assistir a concertos, decidiram “trazê-los até à Casa do Livro”. A música oferecida tende a ser mais “calma”, uma vez que é objectivo do proprietário simular uma “sala de estar”.

Na “casa” portuense actuaram nomes conhecidos da música internacional e nacional, em concertos intimistas. Seu Jorge e Paulo Gonzo foram dois desses nomes. O proprietário considera, no entanto, que o espaço é também “proveitoso para bandas”, nomeadamente em inicio de carreira. “Da clientela destas casas faz também parte gente ligada à promoção de bandas”, conclui ‘Zeca’.